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quando estava na cama, sentiu bater á porta: truz, truz! Fallaram:

— Oh senhora visinha!

A mulher do sapateiro levantou-se e foi ao postigo; era a mulher de um pescador que morava paredes meias e disse:

— O meu homem vae agora para o mar, para deitar as rêdes; é uma occasião boa, mas falta-lhe chumbo para ellas. Não terá por ahi qualquer bocadinho que me dê?

O sapateiro lembrou-se do chumbo que lhe tinha dado o homem rico e disse á mulher onde estava, e que o levasse á do pescador. Lá o que se passou não sei, mas o pescador tirou uma rêde cheia de peixe, e a mulher veiu a casa do sapateiro trazer-lhe em paga uma boa garoupa para amanharem para o jantar. Quando a mulher do sapateiro a estava arranjando, abriu-lhe as ventrexas e achou-lhe dentro uma pedra a modo de um vidro esquinado e deu aos pequenos para brincarem, sem fazer a isso mais reparo. Os pequenos brincaram com a pedra, e deixaram-na para ahi quando se foram deitar. De noite estava o sapateiro na cama, e depois que apagou a candeia viu luzir uma cousa como que se fosse os olhos de gato.

— Homem, essa! parece-me que vejo luzir ali uma cousa.

A mulher reparou, e viu o mesmo; levantou-se o sapateiro e foi vêr o que seria; deu com urna pedra muito polida, e foi então que a mulher se lembrou que a tinha encontrado na ventrexa da garoupa. O sapateiro quando amanheceu foi mostral-a a casa de um ourives, que lhe disse que aquillo era uma pedra preciosa e que valia tanto que nem elle mesmo tinha dinheiro para a comprar; mas que se elle quizesse iria mostral-a ao rei, que só elle é que podia ter joias de tanto valor. Assim fez, e o sapateiro veiu a receber muito dinheiro pela pedra; mudou de vida, comprou casas e quintas, e quando já se