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tratava como um senhor, passou-lhe pela porta o antigo visinho rico que tinha estado muito tempo fóra da terra, e ficou pasmado de o vêr tão accrescentado. Elle dizia lá comsigo:

— O velhaco do sapateiro enganou-me; guardou o dinheiro que lhe mandei dentro da rôsca e dos tóros de pinheiro, e só depois da cousa esquecida é que se sahiu com elle.

Mas o sapateiro era homem liso, e contou-lhe como a fortuna lhe viera pelo bocadinho de chumbo que lhe deu, agradeceu-lhe muito, e concluiu que apesar das suas queixas elle tinha nascido para ser rico, pois déra por duas vezes ponta-pés na fortuna.

(Porto.)




79. DOM CAIO

Era um alfaiate muito poltrão, que estava trabalhando a porta da rua; como elle tinha medo de tudo, o seu gosto era fingir de valente. Vae de uma vez viu muitas moscas juntas e de uma pancada matou sete. D'aqui em diante não fazia senão gabar-se:

— Eu cá mato sete de uma vez!

Ora o rei andava muito aparvalhado, porque lhe tinha morrido na guerra o seu general Dom Caio, que era o maior valente que havia, e as tropas do inimigo já vinham contra elle, porque sabiam que não tinha quem mandasse a combatel-as. Os que ouviram o alfaiate andar a dizer por toda a parte: «Eu cá mato sete de uma vez!» foram logo mettel-o no bico ao rei, que se lembrou de que quem era assim tão valente seria capaz de occupar o posto de Dom Caio. Veiu o alfaiate á presença do rei, que lhe perguntou:

— É verdade que matas sete de uma vez?

— Saberá vossa magestade que sim.