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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/235

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— Já me não serve o nosso contracto, e se queres continuar hade ser ás avessas: o que crescer para cima da terra hade ser para mim, e o que crescer para baixo é que hade ser para ti.

O lavrador acceitou a condição e semeou o campo todo de batatas; deu uma novidade que era um regalo. Disse ao compadre que fosse apanhar o que tinha crescido para cima da terra, que era a rama da batata, e elle tirou muitos e muitos alqueires de batatas, com que fez muito dinheiro. O diabo viu que perdia sempre no jogo, e quiz-se vingar do compadre:

— Ah velhaco, que me enganaste; mas eu é que te não deixo ficar assim; havemos de bater-nos e hade ser ás unhadas, que ao menos d'esta vez heide ficar de melhor partido.

O lavrador bem sabia que o diabo tinha umas garras temiveis, mas como não podia escolher as armas já dava ao diabo a cardada, e foi ter com a mulher, sem saber como se veria livre d'aquella alhada. Vae a mulher e diz-lhe:

— Deixa-o vir para cá, que eu o arranjo. No dia em que te vier procurar para brigar comtigo, esconde-te, que eu é que vou fallar com elle.

Chegado o dia, vem o diabo muito furioso e bate á porta do compadre:

— Aqui estou para irmos brigar.

Vem a mulher e diz:

— Entre para aqui compadre, e espere pelo meu homem, que foi amolar as unhas; olhe que elle sempre dá cada unhada! Aqui está a primeira que elle me deu…

O diabo tal cousa viu, que botou a fugir com medo de ficar cheio d'aquellas arranhaduras, e nunca mais voltou lá.

(Ilha de S. Miguel — Açores.)