Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/24

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a evidencia da demonstração, pelo menos o confronto com tradições similares de outros povos levava a critica a considerar esses productos, apparentemente caprichosos, como documentos ethnicos e psychologicos de alta importancia, provenientes de um fundo primitivo commum, ou correspondendo a epocas e cruzamentos de raças anteriores aos tempos historicos. D’esta comprehensão séria nasceu o interesse com que começaram a ser investigados os Contos populares em todos os paizes, alargando-se cada vez mais o campo comparativo e facilitando-se por esse meio a organisação de determinados cyclos de ficções, e a demonstração dos elementos mythicos de que elles são o ultimo vestigio. Jacob Grimm foi seguido immediatamente em 1817 por Frederico Schmidt, que na sua traducção de desoito contos da collecção das novellas italianas de Straparola ajuntou a maior somma de elementos comparativos colhidos nos novellistas da Renascença, nos fabliaux da Edade media, e nos livros orientaes; o proprio Grimm, em 1822, annotando a sua collecção systematisava o processo critico da Novellistica tornando-a um capitulo essencial da Mythographia. Se para Michelet a historia era uma resurreição, e o que penetrava os documentos da antiguidade passava o rio dos mortos, pela nova direcção achada por Jacob Grimm era possivel remontar através das affluentes do curso das tradições poeticas á nascente primitiva de todas as concepções intellectuaes — o Mytho.

A importancia do problema foi comprehendida em toda a Europa, publicando-se successivamente collecções de contos populares dos povos slavos e das raças amarellas, dos povos romanicos e germanicos, e até das populações selvagens da Africa. Os trabalhos de Theodoro Benfey, sobre o Pantchatantra da India, ajudaram enormemente a restabelecer a cadeia tradicional do Oriente para a Europa, bem como os trabalhos de Silvestre de Sacy vieram esclarecer a acção directa da transmissão