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matar; mas tambem d'ali em diante nunca mais gastou á matroca, viveu com juizo, e desprezou os amigos que na sua desgraça lhe tinham virado as costas.

(Porto.)




89. OS PEIXES DO GUARDIÃO

De uma vez estavam os frades comendo no refeitorio, e coube a um d'elles um peixe muito pequenino; este então reparou e viu que no prato do guardião estava um muito grande, e que o comia á bocca cheia. O frade era ladino, e para se vingar do jejum a que o obrigavam, abaixou a cabeça sobre o seu peixinho que tinha no prato, e começou a momear, como quem estava a conversar em segredo. O guardião reparou n'isto, e pergunta de lá da cabeceira da meza:

— Oh irmão frei fulano, então o que é isso que está fazendo?

— Reverendo padre mestre, estava perguntando a este peixinho se de alguma vez teria encontrado meu pae, que morreu afogado no mar; mas elle respondeu-me que como é muito pequenino não soube d'isso, e que quem o poderá saber é o peixe que está no prato de vossa reverencia, que é muito grande, e póde bem dar fé de tudo.

(Ilha de S. Miguel.)




90. A COBRA E O CORDÃO DO FRADE

Uns frades comeram desalmadamente; um d'elles precisou alargar o cordão que trazia á cinta, mas não queria dar parte de fraco. Lembrou-se de uma estrangeirinha, e disse:

— De uma vez andava ao peditorio, e passei por um campo, onde vi deitada ao sol uma cobra, e que cobra!