Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/255

Wikisource, a biblioteca livre
97. O CEGO E O MOÇO

Um cego andava pedindo esmola pela mão de um moço; a uma porta deram-lhe um naco de pão e um bocado de linguiça. O moço pegou no pão e deu-o ao cego para mettel-o na sacóla, e ia comendo a linguiça muito á surrelfa. O cego, desconfiado, pelo caminho começa a bradar com o moço:

— Oh grande tratante, cheira-me a linguiça! Acolá deram-me linguiça e tu só me entregaste o pão.

— Pela minha salvação, que não deram senão pão.

— Mas cheira-me a linguiça, refinado larapio!

E começou a bater com o bordão no moço pancadas de criar bicho. O moço era ladino e disse lá para si que o cego lh'as havia de pagar. Quando iam por uns campos onde estavam uns sobreiros, o moço embicou o cego para um tronco, e grita-lhe:

— Salta, que é rego.

O cego vae para saltar e bate com os focinhos no sobreiro. Grita elle:

— Oh rapaz do diabo! Que te racho.

Diz-lhe elle:

Pois cheira-lhe o pão a linguiça,
E não lhe cheira o sobreiro á cortiça?

(Porto.)




98. O CEGO E O MEALHEIRO

Era uma vez um cego que tinha ajuntado no peditorio uma boa quantia de moedas. Para que ninguem lh'as roubasse, tinha-as mettido dentro de uma panella, que guardava enterrada no quintal, debaixo de uma figueira. Elle lá sabia o logar, e quando ajuntava outra boa maquia,