Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/261

Wikisource, a biblioteca livre

— Tinha, sim senhor.

— Então porque não trouxeste um sacco bem grande?

— Oh senhor, eu trazia; mas lá a companheira começou a dizer que era vergonha, teimou que trouxesse um mais maneirinho…

— Ah, grande tratante, despeja-me já essas nozes, que não levas d'aqui nada. Anda, tudo, tudo e põe-te já no olho da rua.

O homem foi-se arrepellando, por lhe ter fugido a lingua para a verdade.

(Porto).




102. O SAPATEIRO POBRE

Havia um sapateiro, que trabalhava á porta de casa e todo o santissimo dia cantava; tinha muitos filhos, que andavam rotinhos pela rua, pela muita pobreza, e á noite emquanto a mulher fazia a ceia, o homem puchava da viola e tocava os seus batuques muito contente. Defronte d'elle morava um ricaço, que reparou n'aquelle viver, e teve pelo sapateiro tal compaixão, que lhe mandou dar um sacco de dinheiro, porque o queria fazer feliz.

O sapateiro lá ficou admirado; pegou no dinheiro, e á noite fechou-se com a mulher para o contarem. N'aquella noite o sapateiro já não tocou viola; as crianças como andavam a brincar pela casa e faziam barulho, fizeram-no errar na conta e elle teve de lhes bater, e ouviu-se uma choradeira, como nunca tinham feito quando tinham mais fome. Dizia a mulher:

— E agora, o que havemos nós fazer a tanto dinheiro?

— Enterra-se.

— Perdemos-lhe depois o tino; é melhor mettel-o na arca.

— Mas podem furtal-o. O melhor é pôl-o a render.

— Ora isso é ser onzeneiro.