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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/275

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114. O TOLO E AS MOSCAS

Um maluquinho trazia a cabeça rapada, e não podia supportar as picadellas das moscas; lembrou-se de apresentar uma queixa contra ellas ao juiz, que o attendeu para o disfructar. O juiz deu por sentença, que onde quer que visse uma mosca podia usar do direito de legitima defeza atirando-lhe uma pancada. O maluquinho confirmou a sentença fazendo que o juiz a repetisse. N'isto poisa uma mosca na cabeça do juiz; o tolo acerta-lhe uma pancada e o juiz cahiu para a banda. Prenderam-no, mas elle defendeu-se com a sentença, e não tiveram outro remedio senão mandal-o embora, porque lá diz o outro: Com tolos nem para o céo.

(Ilha de S. Miguel.)




115. JÁ QUE TANTO TEIMA

Um fidalgo cahiu em pobreza, e ás vezes arrebentava com fome só para se não abaixar a pedir. Chegava a qualquer casa, e se lhe diziam por ceremonia:

— É servido de se utilisar? Ou: Quer fazer um pouco de penitencia comnosco? elle respondia:

— Já que tanto teima uma vez só, acceito.

E assim sem descer da sua dignidade tirava o ventre de miseria.

(Porto.)




116. TIC-TACO

Um frade passava todas as tardes rente da janella de uma mulher casada, e dizia-lhe:

— Tic-taco.

A mulher contou tudo ao marido, e elle disse: