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o polytheismo, e mais tarde contra o islamismo e o protestantismo a polemica religiosa fez-se á custa de contos moraes, de facil comprehensão, chamados Exemplos. Esta similaridade de crise religiosa coincidiu com o conhecimento dos Contos indianos traduzidos para arabe na côrte de Bagdad, e trazidos na invasão mussulmana da Europa occidental. Os trovadores nas suas canções, os troveiros nos seus fabliaux, os menestreis nos seus lais, secularisaram o conto com esse espirito de livre exame communicado pela civilisação dos Arabes. No periodo mais activo da organisação das sociedades modernas, no seculo XII, é que se constituiu a nacionalidade portugueza; dirigida a sua cultura pelos latinistas ecclesiasticos, os primeiros documentos litterarios em prosa foram Contos traduzidos do arabe e com uma intenção moral exclusiva. Com as correntes cultas de outros elementos medievaes, como os trovadores da Provença, os jograes francezes e menestreis bretãos, alargaram-se as fontes litterarias dos Contos, estabelecendo-se essa unanimidade de sentimento da Civilisação occidental. Indicaremos estes differentes vehiculos.

Desde o seculo XIII que se conheceu na Hespanha a collecção arabe do Kalila e Dimna, não só pela traducção castelhana do infante D. Affonso (1289), como pelo Exemplario contra enganos y peligros del mundo. Succederam-se as imitações litterarias, e a fonte litteraria apparece citada com frequencia nos poetas do principio do seculo XV, como se vê pelo Cancioneiro de Baena:

Reyne de Byrra todo su feresa,
E las falsedades de Cadyna Dyna[1]

Que mudan discordias, consejos peores
Que Dina y Çadina con su lealdad… (ib. 119.)

  1. Ed. Pidal, t. I, pag. 115.