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O nome d'esta collecção é tirado das aventuras passadas entre os dois chacaes Karataka e Damanaka, que no persa ante-islamico se abrandou na fórma Kalilak e Damnak vulgarisada pelos arabes.[1] Assim na Hespanha o chacal identificou-se com a raposa, e as aventuras do Kalila e Dymna foram designadas pela palavra gensrica de raposias:

Sea asno ó letrado por contradicion
Segunt que del dixo la sabia raposa[2]

O nosso chronista Fernão Lopes, no principio do seculo XV, emprega esta designação de raposias. É talvez por esta influencia arabe que o cyclo do Roman du Renard, que se desenvolveu na Europa com um caracter heterodoxo e hostil á egreja, não se propagou entre as nações catholicas. O velho anexim conservado por Jorge Ferreira de Vasconcellos, na Comedia Euphrosina, de 1521:

O Lobo e a Golpelha (Vulpecula)
Fizeram uma conselha

allude a um dos episodios do Roman du Renard, como este outro rifão popular:

Da pelle alheia
Grande corrêa.

A influencia arabe na peninsula foi simultaneamente popular e litteraria; Alvaro de Cordova allude ao gosto dos contos «fabellis mille suis delectamur.» Das collecções arabes passaram para os nossos documentos litterarios

  1. Max Müller, Essais sur la Mythologie comparée, p. 469.
  2. Canc. de Baena, ed. Pidal, I, 118.