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As nossas Fadas
Iradas,
Sam achegadas
Por este fadar

No Cancioneiro da Vaticana encontra-se uma allegoria satyrica da Verdade, em uma canção de Ayres Nunes que se avalia bem aproximando-a de um conto popular da Andalusia. Eis o conto: A Verdade e a Justiça foram pelo mundo mostrar-se, e como eram muito formosas, arranjaram muito dinheiro. No caminho aggregou-se-lhe a Avareza, e ella é que guardava o dinheiro. Quando resolveram voltar, a Avareza que não queria repartir o quinhão, ao passar por uma ponte baldeou a Verdade na agua, e por isso ella nunca mais appareceu no mundo. A Justiça tratou logo de castigar o crime, mas a Avareza refugiouse com a bolsa em uma egreja e nunca mais de lá saiu, e lá hade ficar até que as paredes venham abaixo.[1] Vejamos agora a sirvente de Ayres Nunes:

Porque no mundo mengou a Verdade,
punhey hum dia de a hyr buscar,
et hu per ela fui preguntar
disserom todos — Alhur a buscade;
cá de tal guisa se foy a perder,
que non podemos en novas aver,
nem já nom anda na yrmaydade.
Nos moesteyros dos frades regrados
a demandey, et disserom-m'assy:
Non busquedes vós a Verdade aqui,
cá muytos annos avemos passados
que non mor'en nosco, per boa fé,
...............................................
e d'al avemos maiores cuydados.
E em Cistel, hu Verdade soia
sempre morar, disserom-me que nom
morava hy, havia gram sazom.

  1. Folk-lore andaluz, p. 126; R. Marin, Cantos populares españoles, t. II, p. 196.