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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/315

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INTRODUCÇÃO

promessas, que muito facil é de enganar a que deseja aquillo com que lhe mentem. Vai a feiticeira d'ali a poucos dias, e traz aquellas aguas conficionadas, encarecendo muito a virtude e segredo d'ellas; mas ou porque lhe errou a tempera ou porque todas se resolvem n'estas boas obras, a mudança que ella queria houvesse na vontade e nos pareceres, lhe houverão de fazer na vida, que a peçonha, que é sempre material dos seus unguentos, penetrou de maneira, que os teve a todos tres em passamento, e a bem livrar ficaram d'ahi a poucos dias sem juizo. Inda bem a feiticeira não soube o damno que fizera, e que por não trazer a mão certa n'aquelles adubos podia vir a estado de a porem na da justiça, desappareceu. Eis senão quando, se ajuntam todos os medicos eminentes que havia no reino, e depois de muitos mezes de cura (olhay vós quantas se fariam a taes pessoas) foram pouco e pouco cobrando os sentidos e entendimento; e com a força do mal lhes cahiu a todos o cabello da cabeça, sem lhes ficar um só. E não foi tão ruim o partido, como era ter cabeça sem elle quem antes o trazia sem ella. Tornando ao meu proposito, tanto que a rainha se viu desfigurada, conhecendo o desatino que fizera, dando todas as culpas ao amor, confessou seu erro, a criada sua innocencia, e o rei sua desgraça; d'ali em diante, conformando-se com o exemplo d'aquelle successo, fizeram vida sem ciumes, que d'elles e de casamentos por amores não escapam senão com as mãos nos cabellos, ou com elles pelados.»[1]

Rodrigues Lobo continua definindo os differentes generos de Contos: «A noite… se tocou n'esta conversação o modo que havia de ter o discreto em contar uma historia, fugindo muitos vicios e bordões que os nescios tem n'ellas introduzidos, e como em dependencia d'esta materia, se fallou nos contos gallantes, que tem d'ellas

  1. Ibid., pag. 146.