Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/338

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ella entendeu que aquella riqueza era de maao gaanho, e disse ao cavaleyro que se lhe non dissesse d'onde ouvera aquelle aver que non casaria com elle. E o cavaleyro descobriu-lhe todo o que fezera. E ella lhe disse que fosse ao loguar hu jazia o mercador soterrado e que estevesse aly des o seraão ataa o galo cantante e que lhe non encubrisse todo o que lhe acontecesse, e se esto non fezesse que o non tomaria por marido. E elle fez assy como lhe a dona mandou. E viu sayr da cova o mercador e ficou os giolhos em terra e disse tres vezes:

«Senhor Jesus Christo, que és justo juiz, e que vees todalas cousas, posto que sejam feitas escondidamente; dá a mym vingança d'este cavaleyro que me matou e tomou-me todalas cousas porque viviamos eu e minha molher e meus filhos.»

E ouvyo huma voz que lhe disse:

«Eu te digo e prometto em verdade, que se elle nom fezer peendença em triinta annos, que eu te darey d'elle tal vingança que será a todos exemplo.»

E tanto que esto foy dito tornou-se o morto pera sua cova. E o cavaleyro muy espantado e tornou-se pera a dona e contou-lhe todo o que vira e ouvyra. E ella recebeo-o por marido e ouve dele filhos e filhas. E ella lhe dizia muyto a meude cada dia, que se lembrasse do espaço que lhe fôra dado pera fazer peendença. E este cavaleyro fez em hum seu monte humas casas muy nobres e muy fortes. E estando elle hum dia em aquelle loguar comendo com sua molher e com seus filhos, e com seus netos em grande solaz com a boa andança d'este mundo, veo hum jograr e o cavaleyro feze-o asseentar a comer. E emtanto elle comya, os sergentes destemperarom o estormento do jograr e huntarom-lhe as cordas com frussura. E acabado o jantar tomou o jograr o seu estormento pera tanger e nunca pode temperar. E o cavaleyro e os que estavam com elle começarom escarnecer do jograr e lançaram-no fóra dos paaços com vergonça. E logo veeo