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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/359

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154. O ODIO ENDURECIDO

Viviam em hum logar pequeno dous homens, que se queriam mal, e os visinhos e seu prelado aviam feito o que n’elles era pelos fazer amigos; os quaes, ainda que algum tempo se fallavam, como o odio era de coração, não durava n’elles a amisade, feita por cumprir com quem lh’o rogava, ou lh’o mandava, que logo tornavam como de primeiro. Durou n’elles este odio tanto, que vindo por ali ElRey, lhe deram conta d’isto alguns homens da terra. E ElRey mandou chamar a ambos, e ante si, por elles e por outros inquiriu o melhor que pôde qual seria a causa; porque, sabida, atalhando-lhe os principios, se faria a paz. E achou que era pura inveja que cada um tinha dos bens e fazenda do outro, porque n’isto eram quasi eguaes e abastadamente ricos. Porém, cada um desejava vêr-se aventajado do outro, inda que fosse á custa de por isso o vêr destruido e perdido de todo; e o mal que hum queria ao outro, esse mesmo lhe queria o avaro a elle. ElRey desejoso de os contentar a ambos fartando-os de fazenda, por que perdessem a inveja, lhe disse:

— Sêde amigos; e eu quero que seja á minha custa, e me apraz de vos dar tudo o que souberdes pedir de meu reyno, que eu tenha, com esta condição, que um de vós hade pedir á sua vontade tudo que elle quizer, com que fique contente, para não haver inveja do outro, e eu desde agora lh’o dou; e ao outro que não pedir, ey de dar em dobro sem mingua alguma.

Elles, á primeira face, parecendo-lhes bem o acceitaram e agradeceram, crendo cada um que ficaria aventajado do outro; porém quando cahiram na conta, que, ainda que hum pedisse muito, aviam de dar dobrado ao outro, nenhum queria pedir por não ficar menos que seu