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tornou o pobre homem ao Ermitão a dizer-lh’o para que lh’o desse; o qual com muito contentamento, por vêr que soube escolher, lhe deu um real em dous meios, como ora se costumam, dizendo-lhe:

— Este é bem ganhado, com elle vos fará Deus mercê.

E assi se tornou o lavrador para casa contente; porém no caminho, antes de chegar a ella, achou dous cachopos que pegados um no outro em grande briga andavam, dando-se de punhadas e de cabeçadas, ensanguentadas as boccas de sangue, tão encarniçados em matar-se, sem repousar, que era magoa de vêr. E assi o pobre homem quando os viu, avendo dó de os vêr tratar de tal sorte no campo, d’onde se elle não passara, não podiam ser soccorridos, desejoso de os meter em paz, com caridade se meteu no meio a apartal-os, perguntando a causa da briga. E ainda que deixavam de se ferir, nem por isso nenhum queria desapegar do outro; mas estando assim pegados, disse um:

— Vêdes, ali n’aquelle chão jaz aquella pederneira, que é para ferir lume; eu a vi, e querendo-a tomar, este m’o impide, e a quer elle tomar.

O outro respondeu:

— Não he assi; mas eu a vi primeiro, e quero-a tomar, e tu queres-m’o tolher e tomal-a para ti.

Esta era a causa por que se feriam. O poqre homem vendo que entre elles não havia maneira de paz, porque cada um queria a pedra, e ella não era tão grande que bastasse para a partir, e por vel-os ambos em paz lhe disse:

— Filhos, rogo-vos que cesse vossa briga; tomae de mim este real que tenho; cada um leve seu meio real; deixae ora esta pedra, não seja o demo que vos faça fazer algum desmancho.

Os moços, visto o real, e rogo do bom homem, acceitaram a paz, e cada um tomou seu meio real, deixando a pedra ao lavrador se foram contentes, e elle a tomou,