pois elrey a não fiára d'outrem senão d'elle, a qual mostrou, e poz debaixo da cabeceira. Duas horas ante menhã, o preto se ergueu de sua cama, e tomando mansamente a carta da cabeceira ao mordomo, a bom recado caminhou, e ante menhã elle estava batendo á porta da fortaleza.
Tanto que o capitão abriu a carta, sem outra detença o mandou enforcar de uma amêa. Ora o mordomo-mór, tanto que foy menhã se ergueu, mas quando não achou a carta ficou agastado, e partiu a todo o galope. E em chegando á vista da fortaleza viu o preto enforcado da amêa, que lhe dava já o sol, logo presumiu que aquillo devia ser recado da carta, e estava comsigo pensativo que faria. Todavia com a furia que o cavallo levava chegou á porta, e chamou, e porque foi logo conhecido dos de dentro lhe foi logo aberta; o mordomo-mór tomou a carta, e viu que era a que ella trazia; leu-a, que dizia assi: «Capitão, tanto que esta receberdes enforcae o portador.» E estava escripta da propria letra de elrey, assinada e sellada, de que o mordomo-mór ficou espantado. Determinou tornar diante de elrey com a propria carta. Chegou ao paço a horas que elrey acabava de jantar, e se recolhia a uma camara a repousar. Entrou e posto em giolhos, disse:
— Senhor, não sei que supito accidente pode tanto com vossa alteza, que sem ser ouvido me mandasse matar tão cruelmente; minha innocencia me livrou.
E com breves palavras lhe contou como, e disse:
— Porém se vossa alteza tem culpas de mi, aqui estou, faça justiça, mande vir diante de mi quem me accusa. E se me faz mercê que eu seja ouvido, saiba que antes de vir a casa de meu primeiro senhor, dei cento e cincoenta cruzados que tinha, a trez sabios por trez conselhos que até hoje guardei. E do primeiro, que era ser sempre leal, como o fui, resultou que subi a mais do que merecia, nem esperava, como é chegar a servir de mor-