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— Filho, se vós tanto lhe deveis, que com o que lhe tendes dado não vos parece que pagaes, fazei o que vos eu disser, que eu vos rogo que caseis com ella, e que verdadeiramente por sua pessoa o merece.

O mancebo ouvindo isto de sua mãe, acceitou o casamento, que se logo tratou. Foram desposados e a seu tempo recebidos, porém como diz o rifão, que a orfã não gosa nem o dia da sua boda, assim aconteceu a esta, que o dia que os receberam, azevieiros defamadores vinham da egreja detraz d'elles murmurando do noivo porque se casára com aquella que sua mãe a vendera primeiro. E isto diziam tam desavergonhadamente, que deram occasião a que o noivo o ouvisse. Porém, des então lhe ficou um rencor no coração, e tam grande menencoria comsigo, que se não podia consolar, tendo-a tambem contra sua mãe. E assi despedida a gente que os acompanhou até casa, elle disse que ia por certa cousa que lhe faltava por trazer, e tambem se sahiu de casa sem nunca mais tornar a ella.

Ficou a este tempo a noiva mais triste que a noite, sem ter consolação de ninguem, nem saber a causa d'aquella mudança, que não sabia que conselho tomar, e certo se deixára morrer de nojo, se não fôra a boa sogra que tinha, que esta a acompanhou todo o tempo que lhe durou seu trabalho.

Porém como o mancebo tinha para si que era enganado, apartado d'aquella visinhança, em outra rua tomou casa, em que a poz de mercadorias que elle sabia tratar, com um sobrado em cima em que viveu mais de dois annos. N'este tempo indo a mãe a vêr o filho, algumas vezes lhe achou molheres em casa. E tanto que a mãe sintiu isto, imaginou o que havia de fazer, e foi-se a casa e disse a sua nora:

— Filha, sempre tomastes meu conselho, e espero tambem tomareis agora este que vos der: e é, que deixeis estes trages tão honestos e tristes e vos façaes muito