— Que peor me podia ser a mim ácerca do principe, que, morrer-me elle! Prometto de me vingar d'este simples e vêr se lhe será por melhor a morte que lhe mandarei dar, se deixal-o viver.
E chamou dois homens, que eram para isso, e disse-lhes:
— Ide apoz foam, que agora vae d'aqui, e dizei-lhe que lhe quereis dar um recado meu, e como chegar a ouvil-o matae-o que eu o mando; não temaes a justiça.
Os quaes foram a casa do medico e acharam a porta da escada fechada, porque, como todos traziam dó pelo princepe, elle tambem quando chegou a sua casa vinha muito affrontado, e para comer despiu-se por desabafar, ficando em calças e gibão, e por não ser achado assi se alguem o buscasse, que lhe pareceu que estava deshonesto, mandou cerrar a porta da rua, e os que o vinham matar disseram que traziam recado de elrey, e o medico alvoroçado com isto lançou sobre si o capuz de dó, e quiz ir adiante dos moços a abrir-lhe elle a porta, e com a pressa ao decer empeçou no capuz e de tal maneira se atravessou na porta que quebrou uma perna pela coxa, de que dava grandissimos gritos. Accudiram os servidores de casa; tirando-o d'ali o lançaram na cama, que os brados que dava era lastimosa coisa de ouvir. Foi curado por donas de sua casa, como elle mandou, e respondido aos homens que estavam á porta que se fossem e dissessem a sua alteza o que acontecera; e elles o fizeram assi. E o medico esteve mais de seis mezes em uma cama, que cuidaram que morresse d'aquillo; porém sarou, e despois que se ergueu, coxeando da perna foi beijar as mãos a elrey, e elrey vendo-lhe o defeito que tinha e o trabalho passado, o quiz consolar com palavras meigas; mas o medico pelo costume que tinha não acceitou consolação:
— Não me pesa d'isso, porque o que Deus faz é pelo melhor.