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Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/391

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Ouvido por elrey e visto como em cousa propria, teve-o d'ali por diante por bom homem, e perdeu o rancor que contra elle tinha; e visto na verdade ser por melhor o quebrar-lhe a perna, que se a não quebrára morrera, como elle mandava, lhe fez mercê para seu gasto, e acceitou seu conselho.

(Trancoso, Contos e Historias, Parte II, III.)




164. A RAINHA VIRTUOSA E AS DUAS IRMÃS

Um rei mancebo, que não tinha conversação de mulher alguma, requerido dos seus que se casasse, com desejo de achar na sua propria terra mulher para isso, refusava o casamento de muitas princezas forasteiras que lhe traziam. E queria que a mulher fosse de virtuosos costumes, claro sangue e boa vida, sem respeito a fazenda, pelo que por dote queria que tivesse estas tres cousas. E andando com esta imaginação passeando um dia per uma rua, sahiram certas mulheres moças todas fermosas a uma janella, e quando elrey passou ficavam fallando umas com outras, que elrey as ouviu, e não entendeu o que diziam, e por saber o que era chamou a si fidalgos que estiveram mais perto. Foi-lhe respondido:

— Senhor, uma disse, que se ella casasse com vossa alteza, se estrevia a fazer de suas mãos lavores de ouro e seda, tão ricos e tanto em vosso serviço, que se se avaliassem valessem tanto dinheiro que bastasse para gasto da mesa. E a outra respondeu que aquillo era muito, mas que se ella tivesse tal dita que casasse com elle, lhe faria camisas e outras cousas de que tivesse necessidade. E a outra respondeu: Ambas não sabeis o que dizeis, nem val todo vosso lavor tão estimado tanto que baste para vossa mantença; eu vos digo o que farei: