Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/415

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beiro para lhe fazer a barba, e como os barbeiros tem por seu natural serem praticas e chocarreiros, Elrey o mandava chamar, mais por gostar de sua boa conversação, que por necessidade que tinha do seu officio. Estando um dia com elrey fazendo-lhe a barba como costumava, veiu elrey a gostar tanto de sua boa conversação, que lhe disse, que lhe pedisse mercês, que o barbeiro despresou sua promessa, dando-lhe a entender que não havia mister nada. Mas vindo outras vezes ao proprio officio como costumava, lhe veiu elrey a cobrar tanta affeição, que lhe importunava, que lhe pedisse mercês, que, por grandes que fossem lh'as não negaria. Elle, tomando ousadia e atrevimento as promessas que elrey lhe fazia, lhe disse:

— Saberá vossa alteza, que não ha ahi na vida cousa que hoje acceite que me possa fazer contente e que meu desejo satisfaça, senão é uma, a qual é, dar-me em casamento a princeza sua filha.

Elrey sobresaltado de tão estranha novidade dissimulou com elle, interrompendo a pratica n'outra materia, cuidando que aquillo era dito a modo de graça, por dar passatempo a elrey com suas chocarrices e zombarias: mas elle era tão em seu inteiro juizo, que vindo outra vez barbear a elrey, e tornando-lhe a pedir elrey, que lhe pedisse mercê, tornou a repetir sua primeira petição dizendo: «Que não tomaria outra cousa senão a Princeza sua filha por mulher.» Elrey parecendo-lhe isto já mais que zombaria, determinou de o despedir com brevidade, e ido, mandou chamar um homem letrado, de grande entendimento em diversas sciencias, e, dando-lhe conta como desejando por muitas vezes de fazer algumas mercês áquelle homem, sempre lhe saira com desatinos tamanhos, a que não podia nem sabia dar entendimento.

O letrado esteve um pouco cuidando comsigo em seu entendimento, e disse a elrey:

— Senhor, faça-me vossa alteza mercê de se pôr em