Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/418

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maneira que o mercador a havia perdido. Vendo o Duque a pobreza d'esta mulher, e que era digna de ser grandemente favorecida, logo mandou chamar o mercador e lhe disse como a bolsa havia já apparecido, que não faltava mais que cumprir sua promessa áquella mulher honrada que a havia achado. Folgou em extremo o avarento mercador, porém achegou-lhe á alma o vêr que havia de dar os quarenta cruzados que tinha promettido de achado, e assim imaginou logo n'aquelle instante um ardil para os não dar, e foi que tomou a bolsa e vasou o dinheiro em uma meza que ali estava, e contou-o, e posto que o achasse certo, comtudo isso revirando para a mulher que o havia achado, lhe disse:

— Molher de bem, aqui n'esta bolsa faltam trinta e quatro escudos venezianos, que estavam de mais dos quatrocentos cruzados em ouro que aqui estão.

A boa velha affrontada e corrida, lhe disse:

— De maneira, senhor, que crêdes de mim que vos havia de furtar o vosso dinheiro! Quem me obrigava, tendo eu em meu poder essa bolsa, a trazel-a aqui, senão não querer eu o alheio?

Não deixava o mercador de gritar e dar vozes dizendo que lhe fosse buscar os trinta e quatro escudos venezianos que faltavam, se queria que lhe désse o achado que tinha promettido. O Duque, conhecendo a malicia do mercador e tudo aquillo que fazia e dizia era a fim de se escusar de dar o que promettera, entendendo que quanta era a bondade da virtuosa mulher tanta era a maldade do avarento mercador, imaginou que a maior pena que podia dar a um homem tão ruim como aquelle era fazer que com seu engano se offendesse a si mesmo, e a esta causa, virando-se para elle, lhe disse:

— Vinde cá; se isto é assi como dizeis, porque me não declarastes que a bolsa levava mais esses escudos de ouro? Ora eu tenho entendido que vós sois tal que quereis fazer o alheio vosso, e que esta bolsa que essa mu-