Página:Contos Tradicionaes do Povo Portuguez.pdf/429

Wikisource, a biblioteca livre
177. O MEDICO DE BOA FÉ

Como o outro que curava de um espinho certo cavalleiro, e tinha-lhe mettido em cabeça que era posthema. Ausentou-se um dia e deixou um seu filho instruido, que continuasse com os emplastos do espinho, a que chamavam posthema. Mas o filho na primeira cura, para se mostrar mais destro, arrancou o espinho; cessaram logo as dôres, e sarou o doente em menos de vinte e quatro horas. Veiu o pae; pediu-lhe o filho alviçaras, que sarára o doente só com tirar-lhe o espinho. Respondeu-lhe o pae:

— Pois d'ahi comerás, pura besta. Não vias tu, selvagem, que emquanto se queixava das dôres continuavam as visitas e se acrescentavam as pagas? Seccaste o leite á cabra que ordinhavamos.

(Padre Vieira, Arte de Furtar, p. 26.)




178. NÃO ESCAPA DE LADRÃO
QUEM SE PAGA PELA SUA MÃO

A um cego, d'esses que pedem por portas, deram uma vez em certa parte um cacho de uvas por esmola; e como se guarda mal cevadeira de pobres, o que se póde pisar, tratou de o assegurar logo repartindo egualmente com o seu moço que o guiava; e para isso concertou com elle, que o comessem bago e bago, alternadamente; e depois de quatro idas e venidas, o cego para experimentar se o moço lhe guardava fidelidade, picou os bagos a pares; o moço vendo que seu amo falhava no contracto, calou-se e deu-lhe os cábes a ternos. Não lhe esperou muito o