cego e ao terceiro invite descarregou-lhe o bordão na cabeça. Gritou o rapaz:
— Porque me dais?
Respondeu o amo:
— Porque contratando nós, que comessemos egualmente estas uvas bago e bago, tu comes a trez e a quatro.
Perguntou-lhe então o moço:
— E quem vos diz a vós, que eu fiz tal aleivosia?
— Isso está claro (respondeu o cego), porque faltando-te eu primeiro no contracto comendo a pares, tu te calaste, sem me requereres tua justiça; e não eras tu tão santo, que me levasses em conta nem em silencio a minha sem razão, senão pagando-te em dobro pela calada.
(Padre Vieira, Arte de Furtar, p. 33.)
E menos agudo andou o outro, que talhando o preço das gallinhas a quem as vendia na feira, e levando-o a quem dizia lh'as havia de pagar, o poz em uma Egreja onde estava o padre cura confessando; e chegando-se a elle lhe pediu por mercê á puridade, se lhe queria ouvir de confissão aquelle homem, e respondeu alto que sim e que esperasse, que logo o despacharia, se deu o vendedor por satisfeito, cuidando que o mandava esperar para lhe dar o preço da compra, e teve logar o ladrão de se acolher com o furto.
(Padre Vieira, Idem, p. 276.)