— Deixa estar, mana, que o pae hade saber tudo.
— Ai menina! disse o camareiro, se o rei sabe que anda a aprender a resar commigo, estamos perdidos.
— Não tenhas mêdo; alevanta-te de madrugada, aparelha dois cavallos e vamos para a tua terra.
Assim fez; ella encheu tres saccos, um de cinza, outro de sal, e outro de carvão, e foram-se ambos por esse mundo fóra. Quando o rei soube da fugida, mandou a sua tropa para agarrarem o camarista e a filha, e que os matassem onde quer que os encontrassem. A cavallaria correu a toda a brida, e estava já quasi a pilhal-os, quando o camarista, olhando para traz, gritou:
— Ai menina, estamos perdidos.
— Não tenhas mêdo.
E a menina despejou o saco de cinza e fez-se logo um nevoeiro tão cerrado, que a tropa não pôde dar mais um passo, e voltaram para traz a dizer ao rei:
Armou-se tamanho nevoeiro,
Que não viamos caminho nem carreiro.
O rei mandou-os avançar de novo, e que lhe trouxessem a princeza e o camarista presos.
— Ai menina, estamos perdidos! disse o camarista vendo a cavallaria quasi a alcançal-os.
— Não tenhas mêdo.
E despejou o sacco de sal, e fez-se logo ali um grande mar, que os soldados não poderam atravessar. Voltaram outra vez para traz e foram dizer ao rei:
Real senhor, achamos um grande mar
Que os cavallos não poderam passar.
O rei deu outra vez ordem de ir agarrar a filha e o camarista:
— Ai menina, estamos perdidos.