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CONTOS E PHANTASIAS

Uma castellã pallida e esguia, sustendo nas suas mãos de marfim o missal de ricas illuminuras... Um pagem louro e namorado, embevecido no sonho de longinquas aventuras e de impossiveis amores... Um vulto de abbade austero e glacial, trazendo para o meio do mundo a gelida mortalha da sua piedade monastica...

Nenhuma d’essas visões podia agora evocar-se.

Foram derrubadas as arvores silvestres cuja sombra envolvia o palacio n’uma austera solidão; arrancaram-se as heras possantes que cobriam com o manto vigoroso da sua folhagem verde-negra os muros gastos e esburacados; calçaram e ladrilharam os pateos por onde a herva crescia indomada e livre, e onde fontes enormes choravam dia e noite com uma triste e somnolenta melopeia.

Um jardineiro inglez veio de proposito cortar as moitas de buxo espesso do jardim, onde umas estatuas de pedras mutiladas e musgosas pareciam ainda relembrar no desamparo da sua nudez friorenta, uma vida inteira que o passado abysmára.

Aquella desolação das ruinas e aquelle indomito luxo da natureza entregue a si, foram substituidos por todas as graças e coquettismos da moderna jardinagem.