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CONTOS E PHANTASIAS

Não te disse eu que o meu romance existia algures, n’um mysterioso recanto onde eu ainda não déra com elle?

Não me enganei.

Existe.

Tem vinte e cinco annos, ha muita gente que diz que elle é feio. Eu acho-o simplesmente adoravel.

Tem uns bellos olhos escuros que a paixão illumina, de que a ironia faz chispar faiscas sombrias, e que em horas de embevecimento e de ternura tem segredos doces de uma bondade ineffavel! Tem uma testa larga e pensativa, e uma boca desdenhosa como se o sarcasmo a houvesse affeiçoado.

Acham-lhe innumeros defeitos, eu acho-lhe sómente alguns.

Mas é para aquelles que a vida endureceu e azedou, que as almas moças devem abrir os mananciaes da sua fé.

Hontem disse-me, depois de me ter ouvido tocar piano durante tres horas, que eu lhe fizera tanto bem, que se esquecia por amor de mim do mal que todos os outros lhe tinham feito.

Estas palavras que em outra boca seriam uma banalidade, na boca d’elle pareceram-me um juramento que vinculava para sempre as nossas duas vidas.