Página:Contos e phantasias (Maria Amália Vaz de Carvalho, 1905).pdf/159

Wikisource, a biblioteca livre
CONTOS E PHANTASIAS
153

um dia a voragem que a tragasse, o abysmo em que se lhe afundasse a honra e a vida.

Nunca tinha fallado ao noivo da sua alma; via-o de longe, ora passar a cavallo pela rua em que morava, ora no rio quando o pae a levava aos costumados passeios.

Conhecia-o pelas cartas, que lia, relia e decorava, e a todas ellas respondêra, menos á ultima cujo conteudo a trazia surpreza, enlevada, vibrante...

O não responder a essa carta era como que um assentimento a um pedido que n’ella se fazia.

O velho capitão n’essa noite pedira á filha que lhe lesse uns livros de viagem. Luiza lia perfeitamente, com uma entoação harmoniosissima, e dando com a voz um relevo maravilhoso á narrativa. O capitão, com o corpo reclinado na poltrona, o cachimbo apertado nos dentes, e a cabeça da Cigana nos joelhos, sorria na plena beatitude de um goso indefinido. De vez em quando, accordava d’aquella deliciosa somnolencia e emendava as incoherencias e os enganos do escriptor.

— Nada, nada, isso não é assim. Venham cá dizer-m’o a mim, que passei por esse ponto mais de trinta vezes...

Ás dez horas serviu-se o chá, a Cigana foi levada para o quintal, e Luiza acompanhou o pae até ao limiar do quarto.