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CONTOS E PHANTASIAS

Ás vezes o piano chorava com uma desesperação tão inconsolavel e tão profunda, que Julião tinha desejos de erguer-se da cadeira em que estava, de protestar contra os energicos lamentos que traduziam a dôr insanavel de um destino, e de gritar:

— Aqui me tem, prompto a luctar peito a peito contra o seu infortunio, e a vencêl-o.

Mas não se atrevia!

Que diriam todos, que diria seu pae, que diria a propria Martha?

Quem lhe dava a elle direitos de interpretar d’aquelle modo a sublime execução d’essa artista ignorada?

Quem pudera affirmar-lhe que era pessoal essa dôr mysteriosa que tinha soluços tão doces, queixas tão resignadas e tão mansas, lamentações de tão ineffavel ternura?

Um dia Julião quiz sondar o coração tão calado da pobre mestra. Procurou fazer-lhe umas perguntas que não fossem por demais indiscretas.

Martha desatou a rir.

É verdade que no meio da sua crystallina risada os olhos se lhe afogaram em lagrimas; mas n’esse instante Julião sentia-se tão envergonhado da curiosidade que revelára, que se não atreveu a olhar para a sua interlocutora.