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CONTOS E PHANTASIAS
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E Cosette! vive ao pé d’ella um enygma sombrio! um espirito sobrehumano! um luctador d’estas luctas interiores cujo reflexo se estampa na frente que as encerra.

Ella nunca interrogou essa alma, e nunca tentou decifrar esse enygma, e nunca sequer comprehendeu a existencia d’essas luctas.

Ao seu companheiro triste, humilde, heroico, adoravel ella deve durante quinze annos a ventura mais perfeita que póde gosar-se na terra.

Satisfez-lhe todos os desejos; todos os brinquedos d’aquella fada, encarregou-se de os fornecer a natureza na liberdade plena, nos seus idyllios primaveris! Estava na escuridão, e deram-lhe luz; era escrava fizeram-n’a rainha.

Não importa! Marius appareceu e Cosette louca, deslumbrada, esquecida, deixa morrer de dôr o amigo da sua risonha mocidade.

É má?

Não; é ignorante. Não sabe que se morre visto que elle vive na posse de uma ventura que nunca até alli conhecera.

Não sabe que se tem saudades, porque ao pé de Marius nunca esse espinho lhe mordeu no coração!

Pois é possivel ser desgraçado quando eu sou tão feliz! pergunta tacitamente com barbaridade que se ignora, cada um dos sorrisos de ventura