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CONTOS E PHANTASIAS

Como fôra feliz com ella e por amor d’ella...

Comtudo... pensando bem... para essa felicidade chymerica fôra elle quem fornecêra todos os elementos. Ella nunca vira no pobre Thadeu senão um instrumento dos seus caprichos, um escravo das suas vontades...

Em todas as delicias com que dourara a sua vida não havia uma só que fosse nascida da vontade de ser-lhe boa, util, consoladora!...

— É verdade, murmurava o pobre doudo, é verdade! Ella nunca teve coração!

E suspendeu-se como que aterrado d’aquella blasphemia.

N’este momento Margarida entrava pelo quarto de Thadeu, pallida como um cadaver, com os grandes olhos dilatados n’uma expressão de indescriptivel pavor.

Agarrou-se-lhe ao braço e disse lhe baixo, n’uma voz estrangulada e rouca:

— Henrique chegou da quinta. Eu não o esperava. Contava que elle viesse ámanhã. No meu gabinete ha uma pessoa que deve sahir sem que meu marido a veja. Ouves? Estou perdida... Estava perdida mas lembrei-me de ti... Salva-me...

Não me digas nem uma palavra, proseguio vendo que elle ia fallar. Uma demora de segundos perde-me sem remissão.