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CONTOS E PHANTASIAS

É verdade, ó Joanna, não te lembras assim de uma cousa que o estudante goste? Uma cousa bonita...

A creada que era gulosa, lembrava-lhe marmelada, doce de ginja, pêras de calda...

— Upa! cousa melhor...

— Quer saber? disse a velha, com os olhos accesos de quem achou um thesouro, e a mim que me não lembrou logo! Eu cá se fosse o sô Sebastião comprava uma medalha de ouro como a que o sr. Morgado traz no cordão do relogio; mettia-lhe dentro o retrato da fallecida, e levava isso ao menino que ha de ficar no ceu ao vêr a mãesinha que Deus lhe levou.

O tio Sebastião approvou a ideia. O retrato foi tirado da parede, tinha sido feito em Braga, logo nos primeiros tempos do casamento. Representava Carlota vestida com uma saia de seda preta, lustrosa, cheia de vincos, com grossas arrecadas, e uns enormes grilhões no peito largo e afflante, os pés nús n’umas chinellas bicudas de verniz. Na mão direita tinha um lenço cheio de bordados, tufado. A esquerda descançava nas costas de uma cadeira, e os grossos dedos d’essa mão pendiam para a palhinha, lanzudos, reluzentes de anneis. Nos olhos de Carlota havia o espanto de quem vê bruxaria, uma especie de pavôr disfarçado.