Página:Contos para a infancia.djvu/92

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as sobrancelhas e lançou um olhar de rainha para o sitio d'onde vinha a supplica.

Vendo uma criança, pouco mais ou menos da sua idade, serenou e, encolhendo os hombros, respondeu:

— «Já não presta!... Está esmurrada!...»

— É o mesmo!... Dá-m'a?... — bradou a outra, cujos olhos brilhavam de cubiça.

— «Dou...» — volveu a rica, encolhendo novamente os hombros.

E, caminhando para o canto da varanda, deixou cair a boneca nas mãos da visinha, que tremia, receiosa de que aquelle thesouro fosse despedaçar-se nas lages da rua.

Fugiram ambas as pequenas a um tempo: a rica para exigir nova boneca; a outra, para mostrar á mãe a que ella ainda não podia acreditar, que fosse sua!

Por espaço de mezes foi a boneca a principal occupação da nova dona.

A pobre perdêra na troca. Ia longe o tempo em ella se vestia quatro vezes em quatro horas!... Já lhe não davam excellencia! Chamavam-lhe sr.a D. Anna; fallavam-lhe de arranjos domesticos, do desmazello da creada, da missa das almas, de coisas finalmente, completamente estranhas para ella!

E a desgraçada perdia as côres; os olhos tornavam-se-lhe cada vez menos azues; mas o que mais a desfigurava era a cicatriz, que de dia para dia se tornava mais escura: parecia uma nodoa, um estygma!

Nos primeiros tempos, emquanto durou o vestido,