Página:Cronicas-de-um-Tetranacional-do-Software-Livre.pdf/19

Wikisource, a biblioteca livre

ruas e flutuavam nos rios, os centros de tortura iniciaram suas atividades, os livros considerados subversivos eram atirados a fogueiras, e os soldados rasgavam as calças das mulheres aos gritos de 'No Chile as mulheres usam saias...'” Killing Hope, p. 215

Segundo me foi dito, naquele dia, era possível ver os caças da Força Aérea Americana sobrevoando a capital Santiago. E se podia ver o ataque frontal dos tanques à “La Moneda”.

A caça sistemática aos esquerdistas e dissidentes era violenta. Portanto, não havia dúvida de que era necessário fugir. Mas a pergunta retórica era: para onde? A embaixada brasileira já tinha se negado a reconhecer Anatólio como cidadão. O que dizer sobre acolher a ele e sua família? Isso, além de tudo, representava um imenso risco de ser apanhado e entregue às “autoridades” brasileiras. Algo que, naquela época, ninguém, em sã consciência, gostaria de ser.

Sobrou apenas a embaixada do México. Naquela manhã do dia 13 de setembro de 1973, um dia depois do meu aniversário, meus pais deram as chaves de casa aos vizinhos para que eles retirassem tudo o que pudessem. Não haveria mais volta até 2005. Com medo de sermos pegos pelo caminho, contou-se com a ajuda do embaixador da Suécia no Chile, que era amigo da família. Com duas cópias da certidão de nascimento de minha mãe, fomos para a embaixada mexicana, e por pura vontade do acaso, conseguimos entrar.

Salvos, enfim. Mas o tempo não foi nosso amigo. Presos em um edifício superlotado por mais de uma semana, tão apinhado de gente que se tinha que dormir por turnos. Imaginem as condições de higiene? O esforço que só as mães são capazes de fazer para passar por situações assim com um bebê de um ano no colo. Finalmente, sai o voo para o México.

Na capital mexicana, estava o Sr. Francisco Julião, que tinha escolhido aquele país para passar seu exílio. Ao saber que no primeiro voo de refugiados mexicanos havia um brasileiro, ele foi ao aeroporto para prestar assistência. Qual não foi sua surpresa ao reconhecer o próprio filho com sua família?

Crônicas de um tetranacional do software livre | 19