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Página:Cypherpunks-manifestos WEB.pdf/39

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Criptografia contra o status quo

A criptografia forte[1] desestabilizaria, portanto, históricas e culturais estruturas estatais de vigilância. Por isso, as ininterruptas tentativas de inserir “desvios” em sistemas criptográficos[2] sugerem ser mecanismos governamentais que buscam manter um status quo sociopolítico através da manutenção do monitoramento da sociedade para neutralizar potenciais transformações sociais que, naturalmente, dependem de canais de comunicação privados para se manifestarem.

Por essas e outras razões, no balanço que Phil Zimmerman[3] faz sobre a atmosfera da década de 90 que ensejou o PGP e as expressões cypherpunks, relata a larga e distribuída desconfiança pública em relação ao Estado devido à banalização de grampos em, por exemplo, lideranças do movimento anti-guerra e por direitos civis, algo também amplamente refletido em autores, como Frank Donner ou Gary T. Marx[4], que mapearam a capilaridade

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  1. Aquela que não permite acesso ao conteúdo encriptado mesmo diante de uma eventual ordem judicial.
  2. Diferentes formas de superar o sigilo criptográfico são sucessivamente propostas na busca por um “desvio”; achar a chave, adivinhar a chave, forçar a entrega da chave, explorar uma vulnerabilidade, acessar o texto antes de ser cifrado ou encontrar uma cópia do texto. Ver, por exemplo, a taxonomia proposta por KERR, Orin; SCHNEIER, Bruce. Encryption Workarounds. 106 Georgetown Law Journal 989, 2018. Pág 8.
  3. É interessante que a associação de Zimmerman com o espectro cypherpunk só se tornou mais orgânica quando o PGP foi carimbado (inclusive pela mídia) como contraponto tecnológico ao Clipper Chip. Antes disso, a postura mais branda, menos anárquica ou anti-governo de Zimmerman o afastava, ideologicamente, do grupo original. Ver LEVY, Steven. Crypto: how the code rebels beat the Government, saving privacy in the digital age. Penguin Books, 2002.
  4. Ver DONNER, Frank. The Age of Surveillance: The Aims and Methods of America's Political Intellhgence System. Vintage Press, 1981; e MARX, Gary T. Undercover: Police Surveilance m America. University of Calforma Press, 1988. Uma realidade não exatamente diferente do que acontece no Brasil: em 2009, o país foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pelos grampos ilegais em nas comunicações de lideranças ligadas ao Movimento Sem Terra, no Paraná; em 2020, foi revelada a criação de dossiês, sob responsabilidade do Ministério da Justiça, sobre pessoas ligadas ao movimento antifascista, além da infiltração de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) em universidades públicas.