Página:Dentro da noite.djvu/101

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família e batia-lhe, tinha pela mãe um sentimento muito vizinho do medo. O pai era bem tudo, resumia todos os amores na sua permanente carícia, e fazia-lhe todas as vontades, comprava-lhe brinquedos, brincava com ela, e nada mais agradável para os seus curtos instantes de descanso do que ir fazer com a filha o «chicote queimado», fingir que não descobria um lenço escondido e vê-la rir, rir como riem as crianças, pondo um pouco do céu sobre a terra. Enfim ele realizara a felicidade. Havia um ente por quem se sacrificava mas que só no mundo a ele via com amor! E a cada achaque de moléstia, a cada febre violenta da menina, ficava aí perto do leito, sem pregar olho, olhando-a, exigindo que ela vivesse, com medo dos médicos, da família, de todos. Dos sete anos porém para diante, Maria só adoecera duas vezes e ele estava já pensando num fenômeno de saúde, já descansado, já com o sonho de um futuro risonho ao ver a filha linda, corada, sadia, quando ao entrar em casa encontrava-a assim, a arder em febre. Seria grave? Seria coisa de nada? Maria continuava a agitar a cabecita, os dois olhos injetados.

Então João suspirou de novo. Teria coragem de ir até ao fim, teria energia para vencer nessa nova luta? E foi ao encontro do Guimarães, que entrava acompanhado da Jesuina.

— A Maria, sabes, aquelas coisas... Parece-me sério.

— Vamos a ver. Não te aflijas.

Entrou, começou a examinar a doentinha, demorou