Página:Dentro da noite.djvu/223

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caldo lhe caiu no estômago, um calorsinho agradável percorreu-lhe o corpo, e o estômago pareceu-lhe que acordava -o seu bom estômago, amigo às direitas, sem exigências, sem queixumes, um estômago que perdera a noção do jantar e do almoço e parecia dormir-lhe nas suas entranhas. Devorou o caldo com grossos pedaços de pão, devorou o bife, sorveu a meia garrafa de vinho, mastigou duas bananas. Oh! Tinha fome para muito mais! O proprietário porém não fiava, e já era muito aquele jantar. Apanhou os níqueis do troco, saiu, com as mãos no bolso, e verificou no meio da rua que não tinha nada a fazer. Era um homem, completara vinte anos, conservara rijos os músculos e cheia de ambições a alma. Entretanto estava ali, na calçada, como um trapo, ao deus-dará da vaga humana, sem trabalho, sem morada. Para onde iria ele, coitado? Era onde calhasse que havia de dormir. Talvez ceiasse. E talvez no dia seguinte encontrasse um emprego. Oh! o emprego! Quantas desilusões e a quanta coisa descera para arranja-lo! Lembrou-se de que uma grande influencia política, um senador, olhando-o muito intimamente, dissera-lhe:

— Veremos, ainda se pode arranjar...

Ainda se pode! Armando sorriu. Ora se ainda! Os seus orgulhos, e sua altivez, a noção de honra, de hombridade, de vergonha tinham naqueles quatro meses de miséria se adelgaçado assaz. Tudo é tão relativo neste mundo! Quando está a roupa no fio e o estômago vazio está, tira-se partido