Página:Dentro da noite.djvu/255

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cheiro, como de olhos fechados dir-te-ei a casa vazia apenas aspirando-a. Posso mesmo dizer-te que cada cidade tem um cheiro próprio, e que eu os sinto ao aproximar-me, ao saltar no desembarcadouro, cheiros que conseguem dar a impressão geral dos habitantes, cheiros honestos, cheiros voluptuosos, cheiros de seio...

- Mas, realmente, é delicioso.

- É atroz.

- A hiperacuidade de um sentido dirigida com estética. És o homem dos perfumes.

- Não me fales de perfumes, do perfume com a significação normal de extrato fabricado para o mercado. É outra coisa. Sou a vítima do cheiro. Para mim não há cheiros repugnantes, há cheiros desagradáveis. Tenho a sensualidade dos cheiros os mais diversos, do cheiro da terra, do cheiro da erva, do cheiro dos estábulos e do cheiro das rosas. Como comecei a sofrer desse desenvolvimento paroxismado do sentido olfativo? Sei lá! Não foi o perfume, foi a extensão vasta dos cheiros que não são perfumes. Em criança, antes de levar qualquer gulodice à boca, instintivamente cheirava-a de olhos cerrados, para sentir bem, e prelibar deliciosamente o prazer de degustá-la. Depois, quando me tomavam ao colo, ao beijar-me, achava sempre meio de cheirar, de aspirar as pessoas agradáveis. Cada pessoa tem um cheiro diverso. Na minha infância a perversão - sê-lo-á de fato? - surgiu ensinando-