Página:Dentro da noite.djvu/272

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um tremendo dia em que os súcubos e os incubos voltam a viver. Até as ruas cheias de sombra parecem incitar ao crime, até o céu cheio de estrelas e de luar põe no corpo dos homens a ânsia vaga e sensual de um prazer que se espera.

Às palavras do cidadão Honório fizera-se em tomo um expectante silêncio. O homem era pálido, de uma palidez bistrada. Estava vestido de preto e a sua mão exangue tinha no dedo mínimo como a quebrá-lo um negro morcego de aço prendendo entre as garras o turvo brilho de uma opala. Só então reparamos que não ria e talvez assustasse almas menos céticas. Ele, de resto, após uma pausa, continuou sem que lho pedissem.

- Oh! sim! Tenho medo desta quinta-feira porque vocês vêem o vicio aparente, o vício às claras, o vício que os jornais não noticiam apenas em atenção ao arcebispado. Eu vi o vicio que se não vê e dão calafrio do supremo horror, o vício misterioso e devorador rodando em tomo das igrejas. Há três anos acompanho-o. Ainda agora, ao sairmos da Candelária, lá estava ele na praça, fatal, definitivo, cruel, esperando...

Aquela confissão era a de um doente. O pequeno Antino abriu a polpa carnuda do lábio num sorriso de flor que desabrocha.

- Honório, que vicio é esse? Fale. Morremos de curiosidade.

- O vicio que ninguém vê? Conta lá.

- E o carro da semana santa.