Página:Dentro da noite.djvu/62

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e Godard estava só diante do marinheiro mudo e sério.

No dia seguinte, o nosso preso apareceu ao almoço sombrio, cumprimentou sem ser correspondido, abancou noutro lugar, mastigou sem dizer palavra, ergueu-se, agradeceu, insistiu:

— Se o Sr. comandante me desse licença para expor um plano de ataque, conhecendo eu como conheço as posições inimigas... Perdão! É traição. Vejo que não sou ouvido... Agradeço, entretanto.

Oh! era evidente que Arsênio Godard, tipo voluntarioso, fazia um esforço sobre-humano para conter a cólera, para não desesperar diante daquela horrível situação que o fazia viver no navio como se estivesse só, inteira e definitivamente só. Os olhos ardiam de cólera, os beiços estavam brancos e as mãos tremiam, tinham um tremor de fúria. Talvez ainda se julgasse capaz de vencer o castigo, porque, à noite, bruscamente, foi ao comandante e de novo insistiu sobre os seus planos. Ao cabo de quatro dias, entretanto, durante o almoço, Godard ergueu-se.

— Digam? É para sempre o silêncio? Ninguém me fala? Mas eu sou um idiota, um animal, um leproso? Que sou eu? Não respondem? Matem-me! É infame, afinal. Os infames sois vós. Retiro-me. Não como mais. Não fujo, é verdade; mas morro de fome. Adeus, senhores.

Saiu a bater com os pés para a sua cabine. Nós continuamos a conversar das coisas que nos interessavam.