Página:Dentro da noite.djvu/80

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era do ato. Ah! Eu imagino sempre, quando o meu egoísmo quer eternizar o amor, o desespero de um pobre ente sem poder livrar-se de outro que se molda e curva e dá tudo, e é passivo e é humilde. Há torturas, imperceptíveis à maioria dos mortais, que são dantescas. E nenhuma como essa em que o ambiente, a fatalidade, o destino forçam a vitória do mais fraco dando-lhe o que deseja; fazendo-o realizar o seu fim, impondo-o a outro corpo, a gozá-lo, a senti-lo, apalpá-lo. A grande desgraça do amor, a maior desgraça é essa, porque laça ao mesmo horror duas almas. Maria devia ter crises de desespero e de lágrimas, e quanto Azevedo devia sofrer na sua muda humildade de cão sedento de carícias! E quando levou-a para o Pará, a chilena tinha a nevrose de enganá-lo. Ora, imaginem vocês, em Belém, terra pequena, onde Azevedo tinha posição evidente! As denúncias anônimas choveram exigindo vergonha, mais pudor, mais brio. O grosso Azevedo lia e calava, porque, se revelasse uma palavra das cartas, Maria fechava-lhe a porta semanas e semanas. Uma vez, entretanto, como recebesse uma denúncia violenta, Azevedo teve tensões de ciúmes e foi encontrá-la como a princesa Falconière da Dalila, cantando num barco com certo tenor de zarzuela. Não havia dúvida! O cônsul do Haiti berrou de cólera, o tenor deu às gâmbias, a polícia apareceu. O escândalo, porém, permitiu a Maria um desses cinismos épicos. Agarrou o Azevedo pelo casaco, meteu-o dentro do carro sem dizer palavra, ofegante,