Página:Dicionário Cândido de Figueiredo (1913, v 1).djvu/26

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lapantanamente, o substantivo manticostumes, o adjectivo minotaurizado, difficillissimo, digressoar, dormitólogo, donairíssimo, fósmea, flavibico, clystermente, etc., e não mostrasse logo que essas originalidades são da responsabilidade de Filinto, Camillo, etc., poderiam suppor ingênuos que eu estava brincando com quem me lê[1].

Por outro lado, colligi numerosos vocábulos, cuja significação não resalta do texto em que se me depararam. Claro é que, em tal hypóthese, o processo preferível é registar o vocábulo e citar o texto respectivo, para que os leitores o interpretem, se puderem.

Muitas vezes, se não quási sempre, as referências a obras alheias levam a indicação do tomo e página respectiva, não só para se facilitar a contraprova ao leitor escrupuloso, se não também e principalmente para obviar ás supposições gratuitas de críticos praguentos e mal intencionados, que, julgando por si os mais, admittem a possibilidade de que qualquer escritor tenha a improbidade de inventar citações por conveniência própria.

É verdade que, em muitos casos, a obra citada teve duas ou mais edições, e é diversa a paginação destas, difficultando assim o cotejo. Em todo caso, a difficuldade não é impossibilidade; importa apenas algum trabalho para o crítico mais minudencioso, por têr de consultar diversas edições da mesma obra.

Excepcionalmente, cito uma ou outra locução sem indicar as fontes escritas, porque a recebi da linguagem oral ou dos registos avulsos e dispersos do falar do povo, como as canções populares, os prolóquios, etc.

 

Seguindo bons exemplos, — e bastar-me-ia o de Littré, — registei, a par do vocabulário português, alguns vocábulos e locuções que pertencem a outras línguas, mas que são, mais ou menos commummente, usados e, em geral, necessários em nossa linguagem falada e escrita. Taes são deficit, Te-Deum, item... Tive porém o cuidado de os preceder da indicação de alheios ao português e de indicar a língua a que pertencem, para que, ao escreverem-se, sejam devidamente sublinhados ou griphados, não vá alguém confundi-los com o que é lidimamente nosso.

 

Há toda a conveniência, e de bom grado a subscrevo, em que se annotem de archaísmos os termos que se afastam da linguagem commum do nosso tempo e da prática dos mestres contemporâneos. Reconheço porém a difficuldade de, em muitos casos, capitular de archaico um termo que, pela primeira vez, nos occorre em documento antigo. Nenhum de nós, os que escrevemos, conhece metade dos termos da sua língua, e, como já notei, muitos julgarão archaico um vocábulo, que só vimos usado em escritores quinhentistas ou pre-quinhentistas, e que póde deparar-se-nos acaso no uso corrente de alguma região portuguesa, e até na escrita de algum escritor moderno.

Entretanto, não poupei a nota de antigos ou de simplesmente desusados aos vocábulos que me parecem não têr chegado ao uso do nosso tempo ou, pelo menos, aos escritores portugueses do último século.

Essa nota porém não quere dizer que todos êlles sejam pertença exclusiva de épocas findas e que não possam nobilitar e enriquecer a escrita moderna, embora a adaptação dependa de muito bom senso, alguma autoridade, e de opportunidade sempre. Succede, até, que muitas expressões, realmente de cunho antigo, tendo pertencido a usos e instituições que passaram, hão de necessariamente empregar-se ainda hoje, sempre que tenhamos de nos referir a essas instituições e usos.

Temos disso copiosos exemplos em Herculano.

  1. Sobretudo nesta nova edição, embora succintamente, pude abonar com textos dos mestres o emprêgo e as accepções de milhares de vocábulos menos vulgares, ou pouco conhecidos; e rara é a pagina, em que certas accepções vocabulares não sejam acompanhadas de exemplos, — o que sem dúvida representa um dos mais sensíveis melhoramentos desta edição.

    (Nota desta nova edição).