Página:Dicionário Cândido de Figueiredo (1913, v 1).djvu/28

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variantes devem fazer parte do seu trabalho, sob pena de sensíveis imperfeições ou de lastimosas deficiências.

 

Por isso é que o leitor encontrará nesta obra numerosas variantes autorizadas; e nem de outra fórma o Diccionário reproduziria, como deve, o estado actual da escrita portuguesa. Veja-se idéa e ideia, pae e pai, philósopho e filósofo, ouro e oiro, distincto e distinto, escripto e escrito, lyra e lira.

Claro é que, entre duas ou mais variantes de um termo, tenho de pôr na primeira plana, para o effeito da definição ou do significado, a fórma que tem por si o uso mais geral, excepto quando tal uso é diametralmente opposto ás regras e aos preceitos da sciência da linguagem, como em civilisar, portuguez, atraz, atravez, etc.

Portanto, as convicções do autor sôbre orthographia portuguesa retrahem-se nesta obra, para dar lugar ás convicções da maioria do público ledor e ás praxes mais geralmente seguidas. Aliás, poria êlle na última plana, se as não expungisse inteiramente, todas as fórmas orthográphicas, em que apparece o inutilíssimo y, o prejudicial ch por c ou q, o falso ph, o falso th, as consoantes geminadas, e todas as convenções que, sem valor scientífico, só servem para difficultar a extincção do analphabetismo e tornar a escrita portuguesa um privilégio de sábios.

Mas o Diccionário é o que deve sêr: reproducção de factos e não tribuna de reformador.

Se me estimulassem prurídos de reforma, e se esta obra não fôsse um Diccionário da Língua, eu diria a todos que escrevem: — «Sêde embora etymologistas, mas sêde-o como a Itália e a Espanha, que, possuindo os idiomas mais irmãos do nosso, simplificaram a sua orthographia, uniformizando a sua escrita e facilitando o conhecimento da língua; e vereis como as crianças e os estrangeiros aprenderão facilmente a lêr: física..., filosofia..., corografia..., teatro..., liceu..., química..., iguais..., cadela..., retórica...»

Mas isto são assumptos infinitamente pequenos, no conceito geral da nossa oligarchia literária. Consola-me, porém, a resignação do velho Moraes que, preambulando o seu Diccionário, já ponderava, como bom conhecedor da sua terra:

— «Quanto á Ortografia que segui, declaro altamente, e de bom som, que na maior parte a sigo contra o meu parecer, e porque assim o querem. Eu sou pela Ortographia Filosófica, a qual, fundada na analise dos sons proprios, ou vogaes, e na de suas modificações, pede que a cada um se dê um só sinal, ou letra privativa, distinta, e que não represente nenhum outro som ou consoante. Deste voto eram João de Barros, o célebre Duclos, e o immortal Franklim... cujos nomes aponto para confusão dos que não valem tanto como estes...» —

E, já antes de Moraes, o audaz e superior espírito do grande Luís Antonio Verney reconhecia a improficuidade dos seus esforços em tornar simples e racional a complicada, e por vezes absurda, orthographia acadêmica. Dizia êlle:

— «...isto de emendar o mundo e principalmente o querer arrancar certas opiniões do animo dos homens envelhecidos nellas e consagradas já por um costume de que não há memoria, é negócio que excede as forças de um só homem...» —

E o Padre António Vieira sentenciava:

— «Quem entra a introduzir uma lei nova não póde tirar de repente os abusos da velha.» —

Quando humanistas e lexicógraphos da craveira de Verney e Moraes recuavam perante o colosso da rotina e da indifferença, ¿de que valeriam os meus esforços a favor da possível simplificação orthográphica, embora estribados no saber e na convicção dos poucos que, entre nós, logram incontestável competência em matérias philológicas?

A muito me aventuro eu, dando o lugar de fórmas permittidas, e até plausíveis, a graphias que poderão indignar a ingênua e pacata rotina; e a muito mais desejava que eu me aventurasse a notabilíssima escritora europeia, glória nossa e