Página:Dicionário Cândido de Figueiredo (1913, v 1).djvu/32

Wikisource, a biblioteca livre

não há grande razão de queixa contra a prática dos nossos diccionários, os quaes felizmente consignam geralmente a bôa doutrina a tal respeito.

Mas é tal a desordem gráphica em grande número dos nossos escritores, quanto ao emprêgo do z e do s intervocálico, que até em Latino Coelho podemos lêr civilisar, realisar, rasão, empreza, graphias certamente indesculpáveis, mormente em escritores de tão elevada e justa reputação como a do grande prosador da Oração da Corôa.

Antolha-se-me portanto que não é ocioso insistir ainda na preconização de uma verdade incontestada: que em bôa escrita portuguesa não há o suffixo isar, mas izar, do grego izein: realizar, civilizar, idealizar...

 

V

A pronúncia


A fixação e representação da pronúncia é uma das mais graves difficuldades, com que pódem defrontar diccionaristas portugueses. Por uma razão principalmente: porque, tendo sido avessa ao emprêgo da accentuação gráphica a maioria dos nossos escritores, esta ou aquella palavra começou a pronunciar-se de várias fórmas com igual autoridade e, ás vezes, o mesmo pêso de razões; e os próprios diccionaristas, vendo uma palavra sem accentuação tónica, uns a tomaram por esdrúxula, outros por grave. Daqui a Philologia a dizer-nos que se pronuncie aerólito, monólito, quadrúmano, nigromancía, encyclopedía..., e toda a gente, letrada e illetrada, a pronunciar aerolítho, monolítho, nemolitho, quadrumâno, longimâno, prestimâno, nigromância, encyclopédia... Claro é que, quando o uso se impôs despoticamente, e no falar commum se chegou a perder a consciência do preceito scientífico, o diccionarista tem de registar o facto, tal qual elle é, e indicar a pronúncia usual ou vulgar.

Mas, quando se trata da technologia scientífica, nunca é tarde para se corrigirem pronúncias defeituosas ou contradictórias, porque os homens letrados mais facilmente pódem vêr o bom caminho, do que o vulgo inconsciente, rotineiro e caprichoso.

Em sciências naturaes, mormente em Medicina, há irregularidades orthoépicas, que o diccionarista não deve subscrever. Assim, ao passo que todos, letrados e illetrados, dizem anemía, ouve-se muita vez hyperglycémia e pronúncias análogas; e, tendo nós therapía, que é palavra paroxýtona, há muitos médicos que, por hábito ou pelo exemplo de algum confrade illustre, dizem sem hesitar hydrotherápia, electrotherápia. etc. E, a tal ponto se se enraizaram estas contradicções, que um distinto philólogo, referindo-se ao facto, me lembrou a conveniência de accentuar graphicamente o i de therapía, para se frisar bem a recta pronunciação, embora a palavra,