No mesmo caso estão os polysýllabos terminados em im e um, que, em português corrente, são sempre oxýtonos: Joaquim, nenhum, fartum, pingalim... Não exigem accento gráphico. As palavras terminadas em en, in, on e un, são avêssas á tradição da língua e, geralmente, só se usam em palavras eruditas ou scientíficas, e nunca são oxýtonas: órion, líchen, certâmen, abdômen... Estas duas últimas fórmas, e suas congêneres, ficarão mais portuguesas, se lhes dispensarmos o n final, como se fez ao nome, ao lume, ao crime...
Visto que em fórmas verbaes de terminação nasal há muitas vezes coincidência phonética de singular e plural, pareceu-me acceitável o uso do circunflexo para distincção do plural, visto que o accento agudo já tinha a funcção de designar o oxýtono. Verbi gratia: «Contem, meus senhores, o dinheiro que êste cofre contém e não se importem do que as gavetas contêm.» Convenção, é claro, mas certamente útil, se não necessária.
Verdade é que alguns escritores e grammáticos distinguem, naquella hypóthese, singular e plural, com a inclusão de um e: «Êlle tem, êlles teem.» Outros, talvez mais acertadamente, nasalam graphicamente o primeiro e daquelle plural, e escrevem t[~e]em, cont[~e]em... Parece-me todavia que a distincção phonética, entre o singular e o plural, não existe na linguagem commum ou vulgar: todo povo, e talvez muitos eruditos, dizem simplesmente: «Êlle tem, êlles têm; êlle contém, êlles contêm.» E, neste caso, a distincção dos números verbaes parece-me vantajosamente indicada com os signaes, que acompanham os exemplos alli consignados.
Além da vogal tónica, algumas vezes é mister accentuar a vogal átona, não já servindo-nos do accento agudo, mas do grave. Corado poderia ler-se erradamente cu-ra-do, se não accentuássemos còrado; pegada, (pé-gá-dâ), lêr-se-ia erradamente pegada (com pe surdo), não se pondo accento grave na primeira sýllaba, (pègada). O accento agudo, em tal caso, tornaria tónica a primeira sýllaba, convertendo em esdrúxula uma palavra que é grave.
O accento grave significa, pois, que a respectiva vogal é aberta, mas não tónica.
Na accentuação, porém, das sýllabas átonas, o diccionarista deve manter a mais discreta sobriedade, por motivos de vária índole.
Em primeiro lugar, entre cêrca de quarenta milhões de indivíduos que falam o português, em todas as partes do mundo, há profundas dissidências orthoépicas, que seria ocioso corrigir ou capitular de erróneas. Sobretudo, entre Portugal e o Brasil, as variantes orthoépicas são numerosas e conhecidas. Dentro do próprio Brasil, como já notei, a pronúncia não é uniforme.
Depois, nas palavras compostas, de formação erudita, é assombroso o quadro das irregularidades e divergências prosódicas, como também já notei.
Em taes casos, portanto, o que prevalece é a natural evolução phonética e a soberania do uso, que não o arbítrio ou a opinião do diccionarista.
Limitada, em geral, a representação prosódica do vocabulário á accentuação gráphica da vogal tónica, pareceu-me vantajoso que, na definição ou noção de vocábulo, como em qualquer escrita corrente, se reproduzam os accentos indicados no vocabulário: não é só o leitor de um diccionário que tem direito a saber o valor prosódico de uma palavra; qualquer leitor de prosas ou de versos deve vêr no que lê a indicação clara do valor phonético de cada termo.
É verdade que, em tal matéria, e dada a possibilidade de divergências fundadas ou infundadas, o diccionarista nada impõe: propõe.
Na sua qualidade de proposta, a accentuação gráphica, adoptada pelo autor na generalidade dos seus escritos e apontada no decurso desta obra, pouco terá com a essência do diccionário, — que póde sêr bom ou mau, independentemente daquelle ponto de vista.
O autor propõe; os mais entendidos e o público dispõem.[1]
- ↑ De acordo com a última reforma orthográphica, a que também está ligada a minha responsabilidade, simplifiquei um pouco, nesta nova edição, a accentuação gráphica, fóra dos casos em que ella é da maior vantagem, como nos vocábulos esdrúxulos, nos termos homógraphos mas não homophónicos, (sêde e séde, vária e varía), etc.
E assim também, como seja regra que é fechada a vogal tónica da desinência oso, formoso, idoso, etc., julguei aqui dispensável a accentuação gráphica e até a indicação parenthética do valor da vogal tónica. Como é regra sêr aberta a vogal tónica da desinência osa, (formosa, rosa, etc.) acentuo as excepções: espôsa, etc.
Da mesma fórma, sendo geralmente fechadas as vogaes tónicas das desinências or e er, (senhor, compor, doutor, comer, dizer, perder), acentuo graphicamente as excepções: majór, melhór, colhér, malmequér...
(Nota desta nova edição).