CANTO I
Da nossa vida em meio da jornada
Achei-me n’uma selva tenebrosa,
Tendo perdido a verdadeira estrada.
2Dizer qual era é cousa tão penosa
D’esta brava espessura a asperidade,
Que a memoria a relembra inda cuidosa.
3Na morte ha pouco mais de acerbidade;
Mas para o bem narrar lá deparado
De outras cousas que vi, direi verdade.
4Contar não posso como tinha entrado;
Tanto o somno os sentidos me tomara,
Quando hei o bom caminho abandonado.
5Depois que a uma collina me acercara,
Onde ia o valle escuro terminando,
Que pavor tão profundo me causara,
6In alto olhei, e já, de luz banhando
Vi-lhe estar as espaldas o planeta,
Que, certo, em toda parte vai guiando.
7Então o assombro um tanto se aquieta,
Que do peito no lago perdurava
N’aquella noite attribulada, inquieta.