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CAPITULO I
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conjuncto a um ataque de uremia. Seu estado peorou por tal forma que na noite de 5 recebeu os ultimos sacramentos, dando-se depois d'isso uma reacção favoravel.

Os medicos do Paço, em conferencia no dia 6, não reconheceram a natureza do mal «ou não quizeram reconhecel-a »[1]. Fallaram de pleuresia e prescreveram sangria, bichas, ventosas e sinapismos, todo o velho arsenal therapeutico. A doença fez menção de ceder e aproveitou-se essa visita da saude para pôr um pouco em ordem as cousas do governo e as-do lar, que umas e outras a reclamavam. Já na manhã de 6, parecendo-lhe proxima a agonia paterna, a infanta Dona Izabel Maria suggerira uma reconciliação in-extremis com a Rainha. O patriarcha de Lisboa e o nuncio do Papa fallaram a respeito com Dom João VI, que disse que sim, e o patriarcha foi a Queluz buscar Dona Carlota Joaquina, que não disse que não, mas pretextou que a sua debilidade não lhe permittia levantar-se e emprehender uma viagem de carro até a Bemposta.

El-Rei teve uma recahida a 9 e perdeu então por completo os sentidos, fallecendo no dia seguinte sem passar por aquella comedia d'uma entrevista suprema com a esposa desleal que o fizera desventuroso e ridiculo. O nuncio foi encarregado de annunciar á Rainha a triste nova — quasi se poderia dizer a boa nova — e convidal-a a juntar-se ás filhas para carpirem -o melhor dos homens e dos soberanos. O povo, que gosta das scenas de effusão e sobretudo de perdão, preoccupava-se com o desenlace da tentativa e não deixou de fazer asperos commentarios sobre um odio que nem a morte imminente levava a desarmar, e que era nutrido por quem carregava as culpas. O facto é que os intrigantes a quem tal situação convinha ou que.com ella lucravam, sé tinham envolvido no desaccordo e conseguido prolongar até ao fim o afastamento dos conjuges.

O embaixador britannico A' Court não culpa tanto Dona Carlota Joaquina, querendo acreditar que o seu primeiro impulso fôra bom, mas que a posição em que ella se achava colocada era muito falsa. Mesmo apoz o que occorrera, a saber, a recusa dissimulada, o embaixador ainda se fiava na sinceridade da Rainha, afigurando-se-lhe que a enfermidade — diziam-na ethica — devia haver contribuido para suavisar o

  1. Esta expressão intencional encontra-se no livro de um historiador luxemburguez, Dr, Arbhur Herchen, o qual estudou por uma forma muito sympathica e interessante a personalidade de Dom Miguel, cuja filha, Maria Anna, foi grã-duqueza do Luxemburgo, (Dom Miguel I, König von Porlugal, Sein Lebeu und Seine Regierung, Luxemburg, 1908).