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CAPITULO III
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tando com o seu tino habitual a que nunca escapavam as analogias: «Qual seria agora nossa situação se tivessemos garantido o throno da Russia ao grão-duque Constantino? Entretanto sua renuncia não era absolutamente um acontecimento provavel como é agora a de Dom Pedro »[1].

Em Lisboa parecia reinar duvida sobre a auctoridade a que devia caber a solução da successão: se ao soberano, se á representação nacional,. pois que as antigas côrtes não se achavam por forma alguma abolidas ; sómente havia muito não as convocavam os monarchas. O gabinete britannico patrocinava o appello a essa instituição secular deixada cahir em lethargia. No seu parecer a ella competia confirmar a ordem legitima da successão e approvar a forma da regencia que fosse de antemão estipulada entre o Rei e o herdeiro, afastando todo o perigo de uma guerra civil. A abdicação de Dom Pedro era considerada inevitavel.

O Secretario d'Estado britannico communicava ao embaixador em Lisboa que «qualquer garantia estrangeira, se caso houvesse para isso (if fit to be given at all), devia seguir' e não preceder um solido (sound) arranjo domestico». Logo apoz o fallecimento d'El-Rei voltava Canning á carga, suggerindo o processo constitucional a ser adoptado. «Todo arranjo, escrevia elle[2], concluido em vista do futuro governo do paiz e da regulação da successão ao throno, ficará incompleto se não receber, de qualquer modo e por não importa que orgão prescripto pelos antigos usos do reino, a sancção da nação portugueza». Aos olhos da Inglaterra o herdeiro legitimo era Dom Pedro, ou antes a princeza Dona Maria da Gloria, a qual deveria por sua vez renunciar a todo direito á corôa imperial do Brazil. Sem esta precaução, caso viesse a fallecer o principe imperial nascido poucos mezes antes[3], as mesmas difficuldades que tinham apparecido em Portugal surgiriam no Brazil.

A Inglaterra nunca experimentou benevolencia para com os grandes Estados. Sua politica, haurida n'um modelo classico, é dividir para dominar. Em Portugal e Brazil, reunidos, ella não imperaria talvez tão facilmente como nos dous separados, no sentido de fomentar seus interesses mercantis. Não era aliás sem bastante razão que ella pretendia ter voz no capitulo de preferencia ás nações que não tinham um navio a velejar no Atlantico do Sul, nem um fardo de mercadoria a despachar nos

  1. O grão-duque Constantino tinha sido forçado pelo pai, o Tzar Alexandre I, a abdicar a coroa em favor do irmão Niculáo, o qual subiu ao throno em 1825.
  2. Despacho de 5 d'Abril de 1826, B. R. O.. F. O.
  3. A 2 de Dezembro de 1825.