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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

Carta, não podendo contar com o apoio da. Inglaterra contra a opposição estrangeira porque n'esse caso se tratava da execução de um plano domestico, se bem que concernente ao bem estar e felicidade dos seus subditos, envolvendo portanto um interesse de ordem internacional e até humana. Era assim natural que o sustentasse o governo britannico, de cuja benevolencia tinha elle, no seu dizer, provas manifestas e perfeita consciencia. Não lhe convinha entretanto estar a cada passo a reclamar assistencia e ao expandir-se com o embaixador nas vesperas já de desapparecer: « Podeis certificar o vosso governo que fui sempre em favor d'algumas concessões no sentido constitucional e que persisto n'estes sentimentos. Se meus compromissos para com o meu povo não foram ainda levados a effeito, é simplesmente porque ainda não enxerguei até agora o momento propicio para satisfazel-os sem perigo »[1].

É verdade que um subdito inglez escreveu não muito depois[2] que foi por haver resistido aos que queriam iniciar o periodo das perseguições sangrentas contra os liberaes que Dom João VI foi votado á morte. Teria assim pago com a vida um acto de firmeza que estava pouco no seu caracter e que é tanto mais louvavel quanto elle não nutria grande affecto pelos processos constitucionaes, nem estimava seus principios mesmo no estado embryonario, cordialmente detestando toda e qualquer restricção da sua auctoridade patriarchal.

O plano dilecto d'El-Rei, de uma reunião de Portugal e Brazil, é que naufragou para sempre. Até nas idéas politicas havia antagonismo. O Brazil tendia a uma democracia dispersiva sob uma forma republicana federal. A nação portugueza era cohesa e, na phrase de Oliveira Martins[3], fundamentalmente realista. Não podia sel-o de uma forma aggressiva como a Hespanha, porque temia as complicações domesticas e estrangeiras que já havia entrevisto, e alem d'isso a nação estava esgotada e tinha fome. Ninguem por isso se ergueu no primeiro momento para combater a solução politica que fora preparada e apresentada como natural e logica. Todos de resto julgavam tirar d'ella proveito pelo gradual desenvolvimento das cousas.

A situação estava n'essa occasião em mãos dos liberaes moderados de que Palmella nos fornece o typo, e outros ainda

  1. Despacho de 4 de Março de 1826, B. R. O., F. O.
  2. Narrative of the persecution and imprisonment in Portugal of William Young Esq. Londres, 2. ed., 1833.
  3. Portugal Contemporaneo, vol. I.