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CAPITULO VI
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estava em que servia de obstaculo á occupação do throno pelo irmão, a quem se queria prejudicar até em proveito de Dona Izabel Maria, adduzindo-se que «a femea mais chegada herda primeiro que o varão mais remoto». O facto é que, não obstante toda essa preparação em seu favor, houve hesitação em acclamar Dom Pedro Rei e que só como tal foi reconhecido sob a injuncção de optar entre os dous paizes ou, para dizer as cousas com mais exactidão, de optar pelo Brazil. Apenas queriam os inimigos de Dom Miguel dar tempo a Dom Pedro para arranjar seus negocios e os do paiz com vantagem para os constitucionaes.

O absurdo de tal situação não podia escapar ao enviado britannico e explica o que se conta: que, mau grado a opinião do seu governo, elle tomara firmemente partido por Dom Miguel. Não foi assim, mas por força lhe devia parecer extraordinario, senão monstruoso, que um principe que voluntariamente desmanchara a unidade da monarchia pudesse não só designar seu proprio successor, como, allegando a segurança e felicidade das duas nações, ir buscal-o na sua propria immediata descendencia, quando o verdadeiro e legitimo successor se encontrava na Europa. Entretanto este soberano, que o devera tambem ser na sua qualidade de eleito do povo, pois, merecidamente ou não, possuia mais do que a confiança, o enthusiasmo de grande parte do paiz, corria o risco de lhe não ser dado aspirar sequer á regencia, uma vez chegado á idade de 25 annos fixada por disposição constitucional da Carta outorgada por seu irmão. Este impedimento, quando cessasse, acharia a regencia nas mãos d'outro parente e, segundo a doutrina aventada pelos constitucionaes, o espirito do direito exigia que a auctoridade, uma vez iniciado seu exercicio, não fosse interrompida durante o mandato que lhe cabias[1].

Como marido da Rainha, a auctoridade de Dom Miguel seria falha por outro artigo constitucional que lhe vedava toda participação activa no governo e lhe negava mesmo o titulo real, enquanto não houvesse fructo do matrimonio. No emtanto, unico varão do ramo portuguez da dynastia, elle era, pelas leis fundamentaes da monarchia expressas pelas Côrtes da nação, o herdeiro e portanto o Rei. A descendencia feminina sómente suppria a falta da masculina e nem a organização basica do reino, nem a equidade concedia ao monarcha de-

  1. Carta do conselheiro Abrantes a Sir William A' Court sobre a regencia de Portugal e a authoridade do Senhor Dom Pedro IV, como Rey de Portugal e como Pai da Senhora D. Maria II. Londres, 1827.