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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

Circula entre os portuguezes a opinião, que o marquez de Palmella me disse haver sido n'estes ultimos dias publicada em Londres, que por motivo da separação do Brazil e Portugal Dom Pedro se tornara Principe estrangeiro, como tal incapaz de herdar a corôa portugueza. Semelhante opinião, falsa ou verdadeira em theoria, será praticamente inoffensiva em caso de adopção da Carta Constitucional, porque então a abdicação de Dom Pedro se tornará total e final. Se se interpuzer porem entre os dous actos (a outorga e a adopção) uma reunião das Côrtes, Portugal e seu soberano ficarão logo collocados em opposição um ao outro, e esse acto de desobediencia á sua primeira ordem servirá para legitimar (countenance) a doutrina de uma negação formal do seu direito de successão ao throno. As consequencias de tal disputa são em demasia evidentes: a guerra civil e uma intervenção estrangeira activa são os males que ella inevitavelmente acarretará a Portugal ».

Canning favorecia pois a acceitação da Carta associada á abdicação — outorga e renuncia conjugadas sem participação ou ingerencia das Côrtes. Não tivera elle proprio interferencia na redacção do documento: apenas é licito pensar que este seria talvez differente se outro fosse o espirito do Foreign Office que não o do rompimento com os principios da Santa Alliança. A Carta de Dom Pedro representava uma transacção habil, a um tempo zelando as prerogativas reaes; consagrando a influencia da alta nobreza e do clero n'uma Casa de Pares e a importancia da intellectualidade e da burguezia e tambem da pequena nobreza n'uma Camara de Deputados, com a iniciativa dos impostos assim como a corôa tinha a iniciativa das leis por meio dos seus ministros responsáveis; incluindo as liberdades essenciaes pela abolição da tortura, pela prohibição das prisões arbitrarias, pelo processo por jury, pela segurança de propriedade e de consciencia e de outras franquias.

Canning esquivava-se mesmo a emittir juizo sobre os termos da Constituição, que não podiam deixar de ser-lhe sympathicos. Exceptuava apenas dous artigos que interessavam mui de perto a Grã Bretanha. Um era o que dizia respeito á liberdade dos cultos, o qual, redigido como estava, reduzia as franquias ou antes os privilegios de que em Portugal gosava a Egreja Anglicana, pois vedava ás capellas reformadas terem o aspecto exterior de templos que a capella ingleza protestante de Lisboa possuia em tempo do antigo regimen. O outro tratava da abolição das jurisdicções privativas, que implicaria a suppressão do juiz conservador britannico, considerada indispensavel ao bem estar e á liberdade de acção dos subditos britannicos.